sábado, 5 de abril de 2008

Resenha: Os sete saberes necessários à educação do futuro_Elisangela

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8 ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2003.

Em 1999, com o objetivo de aprofundar a visão transdisciplinar da educação para o século XXI, a UNESCO solicitou a Edgar Morin, reconhecido filósofo francês, a sistematização desta reflexão. O texto pretende expor problemas centrais ou fundamentais que permanecem ignorados ou esquecidos necessários para a educação do futuro. Morin também reconhece o saber científico provisório ao qual o texto se apóia e as regras próprias a cada sociedade e a cada cultura.
O livro é dividido em sete capítulos, ou sete eixos de interesse a todos preocupados com a educação:
- as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;
- os princípios do conhecimento pertinente;
- ensinar a condição humana;
- ensinar a identidade terrena;
- enfrentar as incertezas;
- ensinar a compreensão;
- a ética do gênero humano

O primeiro eixo, sobre as cegueiras do conhecimento, trata da necessidade de cuidar do conhecimento do conhecimento a fim de preparar cada mente rumo à lucidez, já que todo conhecimento comporta o risco e a ilusão que parasitam a mente humana e subestimá-los é também um equívoco. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos.
Dessa forma, a educação deve se dedicar à identificação da origem de erros, que podem ser:
_mentais, pois a nossa memória é seletiva e também sujeita ao erro;
_intelectuais, como a crença em doutrinas/dogmas, diferente das teorias científicas, que ainda com resistência podem ser refutadas, por sua natureza fechada e convencida de sua verdade os dogmas são invulneráveis às críticas que denunciam seus erros.
_erros da razão, diferente do racionalismo, que ignora os seres, a subjetividade e a afetividade, a verdadeira racionalidade é fruto do debate argumentado das idéias e, ainda assim, também traz a possibilidade de erro e de ilusões. Por isso, deve manter a postura autocrítica para enfrentar as incertezas vindouras.
A educação deve ainda considerar as cegueiras paradigmáticas, já que esta determina conceitos, comanda discursos e/ou teorias.
Pensar este dado com a “frieza” dos ambientes laboratoriais também é um equívoco, pois se a afetividade pode anular o conhecimento, também pode fortalecê-lo.
Acrescento a esta informação a questão da importância do investimento e cuidados na primeira infância, apontados atualmente por inúmeros pesquisadores. Nesta fase da vida ocorre a maior parte das ligações entre células cerebrais, as sinapses, responsáveis pela capacidade de aprendizagem, entendimento e comunicação. Pela observação, afeto e estímulos são produzidas habilidades básicas para anos mais tarde serem aprofundadas e produzidas novas habilidades.

O segundo eixo trata da pertinência do conhecimento e dos saberes cada vez mais compartimentados em oposição às realidades ou problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais e planetários. O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade, pois cada um tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada, assim como o enfraquecimento da solidariedade. Por esta razão, quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise. Talvez seja mais fácil culpar um terceiro, já que o princípio da redução pode excluir tudo o que não seja quantificável e mensurável.
Para que o conhecimento seja pertinente, há um contexto. A educação deverá torná-los evidentes, pois o conhecimento das informações ou dados isolados é insuficiente. É preciso situá-los para que adquiram sentidos.
Há também a relação do global, entre o todo, com suas qualidades ou propriedades que não se encontram nas partes, bem como o caráter multidimensional do ser humano ao mesmo tempo biológico, social, afetivo, entre outras características que o campo do conhecimento deve considerar.
Assim, de modo multidimensional e dentro da concepção global, a educação deve promover a “inteligência geral” apta à complexidade (união entre a unidade e a multiplicidade) ao contexto. Para tanto, deve permitir fluir a curiosidade, ou despertá-la e, neste ponto, é difícil não lembrar o receio dos educandos, independente da idade, de serem criticados por seus pares ou educadores, diante da manifestação de suas indagações.
Morin cita ainda a preocupação com a ecologia em relação ao desmatamento. Certamente a “gaveta” nomeada “progresso/lucro” não consultou o saber local, em nome dos lucros financeiros utilizou a retórica como arma à "cegueira do conhecimento", ou simplesmente desconsiderou as conseqüências futuras.

A educação do futuro deve ser o ensino centrado na condição humana, como mostra o eixo III.
Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. Todo o conhecimento deve contextualizar seu objeto para ser pertinente. Interrogar nossa condição humana implica questionar nossa posição no mundo.
"O homem é, portanto um ser plenamente biológico, mas, se não dispusesse plenamente da cultura, seria um primata do mais baixo nível. A cultura acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e princípios de aquisição" (p.53). Há três circuitos:
- Cérebro/mente/cultura – o homem somente se realiza plenamente como ser humano pela cultura e na cultura.
- Razão/afeto/pulsão – há uma relação instável, permutante, rotativa entre estas três instâncias.
- Indivíduo/sociedade/espécie – cada um desses termos é ao mesmo tempo meio e fim: é a cultura e a sociedade que garantem a realização dos indivíduos, e são as interações entre indivíduos que permitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade. Morin destaca “todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana” (p.55).
Como no artigo de Ferrez et al. discutido na última aula, Morin alerta para os cuidados com o tratamento homogêneo ao ser humano e à cultura, pois “compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade” (p.55).
É necessário consolidar os conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humana.

No eixo IV, ensinar a identidade terrena, Morin retoma o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, e mostra que o mundo está cada vez mais uno e paradoxalmente cada vez mais dividido. Entretanto, em meio a diferenças, todos temos a mesma herança: da morte, seja por armas nucleares, pelos novos e renovados vírus, ou ainda com as drogas; e a herança da modernidade com sua fé no progresso, na tecnologia, na ciência e desenvolvimento econômico capaz de testar bombas e ceifar vidas.
Mas há também a esperança com as contracorrentes presentes num universo de tantas posições e oposições, como a contracorrente ecológica, qualitativa, de resistência à vida prosaica, de resistência à primazia do consumo padronizado, de emancipação em relação à tirania e em reação ao desencadeamento da violência.
Pois, a mente humana traz consigo o pior perigo e também as melhores esperanças, por isso é vital o problema da reforma do pensamento.
Morin, destaca ainda que a era dos Estados-nações dotados de poder absoluto está encerrada, o que significa que é necessário não os desintegrar, mas respeitá-los, integrando-os em conjuntos e fazendo-os respeitar o conjunto do qual faze parte, seu passado, o presente e o futuro, e no qual projeta aspirações e esforços.

Vivemos a era das incertezas, como mostra o eixo V, ao iniciar com diversas questões às quais poucos poderiam conceber. Se esta obra fosse publicada após 2001, certamente constaria entre as incertezas históricas o ataque terrorista em 11 de setembro aos Estados Unidos da América, atual potência econômica e de renomada (ou ironicamente exagerada) segurança.
Assim, à educação do futuro, será preciso ensinar princípios de estratégia que permitiriam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo.

Será necessário também educar para a compreensão, como mostra o eixo VI. Compreender significa intelectualmente aprender em conjunto (o texto e o seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno) e Morin classifica duas formas de compreensão: a compreensão intelectual ou objetiva, passa pela inteligibilidade e pela explicação (explicar é considerar o que é preciso conhecer como objeto e aplicar-lhe todos os meios objetivos de conhecimento); e a compreensão humana que comporta um conhecimento de sujeito a sujeito. Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade.
A compreensão também enfrenta obstáculos como (1) o “ruído”; (2) a polissemia, que ao ser enunciada uma frase pode ser compreendida com outro sentido; (3) a ignorância dos ritos e costumes do outro, que pode levar a se ofender inconscientemente ou desqualificar a si mesmo perante o outro (diversidade cultural); (4) a incompreensão dos valores imperativos de outra cultura; (5) a impossibilidade, enquanto visão de mundo, de compreender as idéias, os argumentos de outra visão de mundo, ou ainda a estrutura mental em relação a outra.
Para “bem viver”, ou “bem pensar”como consta no texto de Morin, é necessário buscar a compreenção de modo desinteressado e sem esperar nenhuma reciprocidade. A ética da compreensão pede que compreenda a incompreensão.

No último eixo, sobre a ética do gênero humano, é destacada a educação condutora à antropo-ética, a ética da cadeia de três termos: indivíduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a democracia favorece a relação rica e complexa do indivíduo/sociedade como um ser responsável e cidadão, porém, esta mesma democracia constitui um sistema político complexo, repleto de antagonismos, pluraridades e muitas vezes utiliza a ausência da consulta à comunidade.
Valores como a ética não poderiam ser ensinados por meio de lições, mas integram-se com base na consciência de que o humano é, ao mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie.
Partindo disso, a educação deve contribuir para a tomada de consciência de nossa "Terra-Pátria", bem como permitir que esta consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania e solidariedade.

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